sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Carnaval Cult




















Confesso: meu plano mais ambicioso para o feriado de Carnaval era dormir. Apesar do constante ruído de funk e axé music na janela, não me passou pela cabeça sequer bisbilhotar a festa dos vizinhos da barragem Santa Lúcia. Muito menos a idéia de repetir a [insana] experiência do ano passado de assistir, ao vivo, ao minguado desfile das agremiações de samba de Belo Horizonte.

Quando vi, estava cercada de senhores e senhoras vestidos de pirata e cigana em pleno centro da cidade. Pois é. Seduzida pela possibilidade de ouvir autênticas marchinhas de mil e novecentos, fui conferir o Baile de Carnaval no Centro Cultural UFMG com a Velha Guarda do Samba – uma orquestra com doze músicos que, em média, estavam acima dos 60 anos.

Neste misto de festa de clube com bingo de igreja, os músicos viviam a glória de um show a beira mar no Copacabana Palace. Um pitoresco e charmoso “destoar” que, por fim, me incentivou a acompanhar o ritmo da senhora corcunda e da tia com paralisia cerebral. Em meio a confetes e serpentina de papel – sem nenhum spray de espuma – ouvimos Mamãe eu Quero, Aurora, As pastorinhas, Máscara Negra, O teu cabelo não nega, entre outras pérolas.

Soube que a idéia do Baile – realizado nos dias 21 e 23, com uma matinê infantil à tarde - foi pioneira. Como o Centro Cultural é a sede de ensaios da Orquestra, os mantenedores do espaço experimentaram abrir portas para o público. O pátio não ficou lotado, mas com certeza a cidade não viu outra iniciativa tão despojada e, por que não, democrática. Enquanto os mais velhos reviveram memoráveis bailes de clubes no interior, os mais jovens tiveram uma vivencia única da tão falada "alegre inocência" que, um dia, foi a marca do Carnaval no Brasil.

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Saudades de Verão














Foto por Eduardo Borges, roubada sem o devido pagamento

O verão propriamente dito não acabou, mas o fim do horário artificial coincidiu com o término do 3º. Verão Arte Contemporânea. Com uma vasta programação na área de artes cênicas, artes plásticas, vídeo e música, o evento de um mês confirma a vocação vanguardista da turma da Officina Multimédia, o mesmo coletivo responsável pela divertida Bienal dos Piores Poemas.

Por conta de viagens intermináveis e pé na lama em capões de mata atlântica e campos rupestres da Serra do Espinhaço [confiram o resultado no próximo Planeta Minas, na Rede Minas, dia 24 de fevereiro, às 21h40 – reprise dia 27, às 13h30, e 28, às 18h30], não aproveitei muita coisa da programação do VAC. Mas ao menos peguei dois eventos bastante significativos do que, intuitivamente, parece ser a proposta dos organizadores: dar espaço para a experimentação e, por que não, para o risco. Foi assim com Cortiços, da Cia Luna Lunera, em que os atores tiveram a coragem de expor ao público um trabalho em processo de construção, recolhendo comentários por escrito do platéia no final da apresentação. [Belíssima a cenografia com garrafas pet cheias de água para a ambientação naturalista de Aluísio Azevedo!]

Domingão foi a vez do já consagrado violonista, compositor e cantor mineiro Kristoff Silva se lançar ao desafio de montar um show inédito. Segundo o release, a proposta era “voz e violão”. Mas o baixo e o piano de cauda no palco da Fundação de Educação Artística diziam o contrário... Por fim, ganhamos com o contraponto dos dois extremos – os músicos convidados entraram e saíram de cena colaborando com a proposta do Kris de dar destaque ao papel da oralidade na canção. [Discípulo mais que aplicado de Luiz Tatit, com show marcado no mega evento South by Southwest 2009, em Austin, Texas! Não deixe de conhecer/ver/ouvir, aqui no myspace.]

No suspiro do restinho do dia de folga, quem se sentiu homenageada fui eu. Já no BIS do show, ganhei esta canção deliciosa – do próprio Kristoff – para matar saudades da terrinha. Um banho de finas referências espaciais e musicais de São Paulo.

SÃO
(poema de Makely Ka , musicado por Kristoff Silva)

De Tatit a Itamar, do Tietê ao Butantã
Já cantaram tuas ruas, praças e avenidas
De Arrigo a Ribamar, do Masp ao Trianon
Teus viadutos, vales, becos sem saída
De Wandy a Gudin, do Bexiga ao Itaim
Gente de todo lugar, tipos de toda espécie
De Pereira a Adoniran, da Liberdade ao Carandiru
Cantaram por toda cidade, fizeram a sua prece

Tom Zé veio de Irará
Rita de Americana
Belchior do Ceará
Chico é paraibano
Careca é do Paraná
Arnaldo é paulistano

No Sumaré eu vi Ceumar
Salmaso em Vila Mariana
Virgínia no Viaduto do Chá
Suzana no Salesiano

Geraldo Filme foi filmar um clipe com o Fellini
E o Ira! vai tocar Ronda do Vanzolini

Fui ver a Ná cantar no Ibirapuera
Tetê também estava lá imitando Uirapuru
Quem foi trocando idéia da Sé até Jabaquara
Foi Zé Miguel com Mano Brown que pegaram a linha azul

Essa parceria aproximou o centro da periferia
O erudito e o popular, a rua da academia.

[Para mais notícias sobre alguns pontos algos do VAC, visite o Pixelando!]

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Delicadezas...

Poeta favorito, Bandeira alimenta a alma com os encantamentos captados na observação da vida simples e cotidiana das cidades. Diretamente do Recife, é ele quem agora evoco como pano de fundo deste passeio de domingo ensolarado na agitada feira da Afonso Pena. [Que de “hippie” não tem quase nada – talvez “chinesa” seja o melhor adjetivo...]














Vestígio artesanal arqueológico















Chaves, o mexicano onipresente
















Para bebês uniformizados




















Quinquilharias na bacia

Camelôs - Manuel Bandeira

Abençoado seja o camelô dos brinquedos de tostão:
o que vende balõezinhos de cor
o macaquinho que trepa no coqueiro
o cachorrinho que bate com o rabo
os homenzinhos que jogam boxe
a perereca verde que de repente dá um pulo que engraçado
e as canetinhas-tinteiro que jamais escreverão coisa alguma.
Alegria das calçadas
Uns falam pelos cotovelos:
— "O cavalheiro chega em casa e diz: Meu filho, vai buscar um pedaço de banana para eu acender o charuto. Naturalmente o menino pensará papai está malu...."
Outros, coitados, têm a língua atada.
Todos porém sabem mexer nos cordéis com o tino ingênuo de demiurgos de inutilidades.
E ensinam no tumulto das ruas os mitos heróicos da meninice...
E dão aos homens que passam preocupados ou tristes uma lição de infância.

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

O dilema do galo, ou o retrato da Belo Horizonte de ontem e hoje















Era uma vez um galo de crista para baixo. De passagem pela jovem capital de Minas Gerais, provocou um frisson capaz de avançar os limites dos galinheiros ainda presentes nos quintais de terra batida em casas burguesas e operárias. O estrangeiro representante da espécie Gallus gallus dividiu a sociedade, exigindo resposta firme por parte de mineiros e mineiras: ame-o ou deixe-o.

A história do quadro de Portinari - que chegou a ser apelidado de “Olag” - é um dos registros memoráveis da exposição O olhar modernista de JK, em cartaz no Palácio das Artes. Ao recriar a Exposição de Arte Moderna, de 1944, que trouxe ares da Semana de 22 para Belo Horizonte, a atual mostra repercute a opinião de jornalistas e outros moradores da cidade em relação aos novos conceitos de arte suscitados a partir das obras de Anita Malfatti, Di Cavalcanti, Tarsila do Amaral e Lasar Segall, entre outros. Nada pacífica, uma dessas reações foi o corte a gilete de alguns trabalhos...

Relendo as notícias da época, percebo que a “desconfiança do novo” naquele inicio de século ainda hoje é um traço marcante da sociedade mineira. Ao mesmo tempo em que admira o que é de fora, não admite imposições. No fundo, almeja uma modernidade compatível com suas tradições e despreza radicalismos. Será que os artistas plásticos na ativa concordam comigo?

Outro detalhe intrigante é pensar que toda esta balbúrdia no campo artístico e social foi patrocinada e incentivada justamente pelo queridíssimo e respeitado Juscelino Kubitschek, então prefeito de BH....

Até 1. de março, portanto, vale a pena passar pela Afonso Pena 1.537.