quinta-feira, 12 de agosto de 2010

De volta às coletivas


“Coletiva”, para quem não é jornalista, refere-se a uma entrevista convocada por uma personalidade ou “autoridade”, normalmente às dez horas da manhã, para que a imprensa seja informada de algo supostamente importante para a sociedade. Afastada do jornalismo diário por dois anos, tive a chance de relembrar tais momentos de selvageria em duas coletivas realizadas na mesma manhã desta segunda-feira. Loucura.

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Na primeira pauta, tranquila, acompanhamos o início do curso de treinamento aos mesários das próximas eleições. Eis que chega o juiz da zona eleitoral, que nos daria a esperada “sonora” – sem a qual não há autorização para a retirada do recinto. Repórteres de todas as espécies e veículos se entreolham, esperando o momento de “avançar”. Mas o curso está em andamento, não podemos interromper. E a presa continua na mira. Mal a moça desliga o microfone, o juiz já está acossado no bololô de microfones, luzes, gravadores, braços esticados. Primeira lesão do dia – nunca fiz musculação para sustentar o microfone por tanto tempo. Entro no sovaco de um, faço ginástica com a cabeça, ouço pedidos de “sai da frente, pessoal!!”. E reparo como as perguntas acabam saindo meio sem nexo, repetitivas, chatas. No entanto, enquanto há perguntas, paira o imaginário de que não podemos sair dali – vai que algo bombástico seja declarado..... claro que não será!!

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“Vai ter coletiva na polícia agora sobre o caso Maioline, corre pra lá”. Júlia não sabe quem é, o que é Maioline. Implora por alguma pista junto ao apurador. Chega atrasada, posiciona microfone na mesa dos delegados e se resigna a ouvir sobre o que nada sabe. Anota palavras desconexas do policial, tenta extrair alguma lógica, mas não resiste a perguntar para uma colega com cara de competentíssima (e de repórter de jornal impresso, por não estar maquiada ou de “terninho”). “Qual a novidade da coletiva??”. Ufa, descubro então que Thales Maioline, principal suspeito de uma fraude milionária que enganava investidores em Minas, agora teve a prisão decretada e se torna oficialmente foragido da justiça.

A repórter da Globo quer saber como serão as apreensões na falsa empresa do golpista e se levanta primeiro da “plateia” de jornalistas. Todos se levantam – é dada a deixa para a “sonora”. Avanços gerais, brigas, desespero, perguntas ruins. Peixe fora d´água, quebro com minha promessa de ficar calada e já me vejo perguntando algo que penso ser importante durante as investigações da polícia. Nessa hora, é preciso gritar, falar alto e com tom de autoridade – a única lei de comum acordo para que se consiga “a vez” na hora de perguntar. Depois, é preciso paciência para perguntas e respostas picadas, para o insistência do cara da rádio, para a viagem da moça da televisão, etc...

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A coletiva virou a primeira matéria do jornal do meio dia. E a fita chegou na redação às 11h45. Adrenalina a mil, acabou entrando. E eu não sei como tanta gente sobrevive ao infarto antes dos 40.

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Este post foi inspirado em leitura de uma série de três crônicas escritas por Perseu Abramo na década de 60 e reeditadas em "Um trabalhador da Notícia" (ed. Fundação Perseu Abramo). Com vasta experiência e competência como repórter, Perseu descreve os tipos mais comuns e interessantes das “coletivas” de forma impagável – entre eles o Sujeito da Televisão, o locutor de rádio, o Fotógrafo Apressado, o Foca e o Repórter Subversivo. Alguns trechos:

“Repórteres os há de toda espécie e variedade. Há o Repórter Subversivo que chega e toma o melhor lugar e que usa colarinho aberto e corpo ereto. Não faz perguntas: oferece opções. “O senhor é a favor da paz ou é u imperialista sanguinário?” “O senhor é contra a bomba atômica ou é um capitalista reacionário?” “O senhor bebe pinga mesmo ou é vendido à Wall Street?” O Repórter Subversivo não deixa passar nada, não perdoa ninguém: economista ou trapezista, tenista ou musicista, o entrevistado tem de ser contra a bomba atômica ou um burguês fascista”.

“Mas o mais interessante dos repórteres é o Repórter Original. A primeira coisa que se deve dizer do Repórter Original é que ele constitui a maioria entre os repórteres: todos se consideram originais”.

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

A cidade é o palco!



De cara, o estranhamento é dos grandes... Um tapete vermelho em plena praça Sete? Palco montado no cruzamento mais agitado da Savassi?? Pois é... Logo soube se tratar de uma instalação do Festival Internacional de Teatro, o FIT ameçado de extinção que, pelo bem da nação e da classe artística de Minas, acabou saindo.... O trabalho é de Paulo Pederneiras, também cenógrafo do Grupo Corpo. Ainda não vi os espetáculos que devem ocorrer nestes espaços "vermelhos", mas já aplaudo a iniciativa capaz de quebrar a monotonia cinza da cidade...

Ontem de noitão estive na abertura do festival, com o trabalho K@osmos, da Espanha. Fui atraída pela mega-estrutura montada na praça da Estação, com show ao vivo estilo Bjiork e um guindaste gigante que serviu de sustentação para acrobacias feitas no ar por um grupo de artistas. Foi bonito, preciso admitir, mas passou longe de um trabalho que inspirasse o teatro. Muito deslumbre, pouco encantamento.... Os artistas convenceram como profissionais acrobatas, mas não como atores de expressão corporal ou emotiva... Mas, deixando de ser chata, claro que valeu a pena.

Devo conseguir acompanhar outras atrações internacionais programadas para o evento, mas temo que o show de pirotecnia e megalomania tire o espaço do teatro que comunica, emociona, convence. Vamos ver... (e torcer pelo contrário!)

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Sotaques 3

Às vésperas de completar três anos nas Gerais, pensei que já era tempo de escrever mais um post sobre o mineirês. Afinal, por esta longa convivência com o “idioma”, já devo ter chances conseguir meu diploma nível intermediário... Enquanto “matutava” o texto, me chega este email enviado por Lud. Mesmo se tratando de uma grande cantada às mulheres mineiras, gostei das análises “semânticas” feitas pelo forasteiro, o autor anônimo do texto.

Pelas boas sacadas que seguem, replico aqui mais uma homenagem a este falar tão característico que, confesso, já vem sendo adotado em partes por uma ex-paulistana...

O sotaque das mineiras

(Autor anônimo)

(...)

Os mineiros têm um ódio mortal das palavras completas.
Preferem, sabe-se lá
por que, abandoná-las no meio do caminho (não dizem:
pode parar, dizem:
"pó parar").

Os não-mineiros, ignorantes nas coisas de Minas,
supõem, precipitada e
levianamente, que os mineiros vivem -
lingüisticamente falando - apenas
de uais, trens e sôs.
Digo-lhes que não. Mineiro não fala que o sujeito é
competente em tal
ou qual atividade.
Fala que ele é bom de serviço.

Pouco importa que seja um juiz de direito,
um jogador de futebol ou um
ator de filme pornô.
Se der no couro - metaforicamente falando, claro - ele é bom de
serviço.
Faz sentido...

Mineiras não usam o famosíssimo tudo bem.
Sempre que duas mineiras se encontram, uma delas
há de perguntar pra
outra: "cê tá boa?"
Para mim, isso é pleonasmo. Perguntar para uma
mineira se ela tá boa é
desnecessário.

Vamos supor que você esteja tendo um caso com uma mulher casada.
Um amigo seu, se for mineiro, vai chegar e dizer:
Mexe com isso não, sô (leia-se: sai dessa, é fria, etc).
O verbo "mexer", para os mineiros, tem os mais
amplos significados.
Quer dizer, por exemplo, trabalhar.
Se lhe perguntarem com que você mexe, não fique ofendido.
Querem saber o seu ofício.

Os mineiros também não gostam do verbo conseguir.
Aqui ninguém consegue
nada. Você não dá conta.
Sôcê (se você) acha que não vai chegar a tempo,
você liga e diz:
Aqui, não vou dar conta de chegar na hora, não,sô.
Esse "aqui" é outro que só tem aqui.
É antecedente obrigatório, sob pena de punição pública,
de qualquer frase. É mais usada, no entanto, quando você quer falar
e não estão lhe dando muita atenção: é uma forma de dizer, "olá,
me escutem, por favor".
É a última instância antes de jogar um pão de queijo
na cabeça do interlocutor.

Mineiras não dizem "apaixonado por".
Dizem, sabe-se lá por que, "pêxonado com".
Soa engraçado aos ouvidos forasteiros.
Ouve-se a toda hora: "Ah, eu pêxonei com ele...".
Ou: "sou doida com ele" (ele, no caso, pode ser você,
um carro, um cachorro).
Elas vivem apaixonadas "com" alguma coisa.

Que os mineiros não acabam as palavras,
todo mundo sabe. É um tal de
"bonitim", "fechadim", e por aí vai.
Já me acostumei a ouvir: "E aí, vão?". Traduzo:
"E aí, vamos?".
Não caia na besteira de esperar um "vamos"
completo de uma mineira. Não ouvirá nunca.

Eu preciso avisar à língua portuguesa que gosto muito dela,
mas prefiro, com todo respeito, a mineira. Nada pessoal.
Aqui certas regras não entram. São barradas pelas montanhas.
No supermercado, não faz muitas compras, ele compra
"um tanto de côsa".
O supermercado não estará lotado, ele terá
"um tanto de gente".
Se a fila do caixa não anda, é porque está
"agarrando" [aliás, "garrando"] lá na frente. Entendeu? Agarrar é agarrar, ora!

Se, saindo do supermercado, a mineirinha vir
um mendigo e ficar com pena,
suspirará: Ai, gente, que dó. É provável que a essa altura o leitor já esteja apaixonado pelas mineiras.

Não vem caçar confusão pro meu lado.
Porque, devo dizer, mineiro não arruma briga, mineiro
"caça confusão".
Se você quiser dizer que tal sujeito é arruaceiro, é melhor falar, para
se fazer entendido, que ele "vive caçando confusão".

Para uma mineira falar do meu desempenho sexual,
ou dizer que algo é muitíssimo bom vai dizer: "Ô, é sem noção".
Entendeu, leitora? É sem noção! Você não tem, leitora,
idéia do "tanto de
bom" que é. Só não esqueça, por favor, o "Ô" no começo,
porque sem ele não dá para dar
noção do tanto que algo é sem noção, entendeu?

Capaz... Se você propõe algo e ela diz: capaz!!!
Vocês já ouviram esse "capaz"? É lindo.
Quer dizer o quê? Sei lá, quer dizer
"ce acha que eu faço isso"? com algumas
toneladas de ironia...

Se você ameaçar casar com a Gisele Bundchen, ela dirá: "Ô dó dôcê".
Entendeu? Não? Deixa para lá.
É parecido com o "nem...". Já ouviu o "nem..."?
Completo ele fica:- Ah, nem...
O que significa? Significa, amigo leitor, que a mineira que o pronunciou não
fará o que você propôs de jeito nenhum.
Mas de jeito nenhum.

Você diz: "Meu amor, cê anima de comer
um tropeiro no Mineirão?".
Resposta: "Nem..." Ainda não entendeu? Uai, nem é nem.

Leitor, você é meio burrinho ou é impressão?
A propósito, um mineiro não pergunta: "você não vai?".
A pergunta, mineiramente falando, seria: "cê não anima de ir"?
Tão simples. O resto do Brasil complica tudo.

É, ué, cês dão umas volta pra falar os trem...
Falando em "ei...".
As mineiras falam assim, usando, curiosamente,
o "ei" no lugar do "oi".
Você liga, e elas atendem lindamente: "eiiii!!!",
com muitos pontos de
exclamação, a depender da saudade...
Tem tantos outros...

O plural, então, é um problema. Um lindo problema,
mas um problema.
Sou, não nego, suspeito.
Minha inclinação é para perdoar, com louvor,
os deslizes vocabulares das mineiras.

Aliás, deslizes nada.
Só porque aqui a língua é outra, não quer dizer que a oficial esteja
com a razão.
Se você, em conversa, falar: Ah, fui lá comprar umas coisas..
Ques côsa? - ela retrucará.
O plural dá um pulo. Sai das coisas e vai para o que.

Ouvi de uma menina culta um "pelas metade",
no lugar de "pela metade".
E se você acusar injustamente uma mineira, ela,
chorosa, confidenciará:
Ele pôs a culpa "ni mim".

A conjugação dos verbos tem lá seus
mistérios em Minas...
Ontem, uma senhora docemente me consolou:
"prôcupa não, bobo!".
E meus ouvidos, já acostumados às ingênuas
conjugações mineiras, nem se
espantam. Talvez se espantassem se ouvissem um:
"não se preocupe", ou algo assim.

A fórmula mineira é sintética. E diz tudo.
Até o "tchau" em Minas é personalizado.
Ninguém diz tchau pura e simplesmente.
Aqui se diz: "tchau procê", "tchau procês".
É útil deixar claro o destinatário do tchau.
Então...


[Leia aqui outros posts sobre o mineirês em Língua e Sotaques.]