Às vésperas de completar três anos nas Gerais, pensei que já era tempo de escrever mais um post sobre o mineirês. Afinal, por esta longa convivência com o “idioma”, já devo ter chances conseguir meu diploma nível intermediário... Enquanto “matutava” o texto, me chega este email enviado por Lud. Mesmo se tratando de uma grande cantada às mulheres mineiras, gostei das análises “semânticas” feitas pelo forasteiro, o autor anônimo do texto.
Pelas boas sacadas que seguem, replico aqui mais uma homenagem a este falar tão característico que, confesso, já vem sendo adotado em partes por uma ex-paulistana...
O sotaque das mineiras
(Autor anônimo)
(...)
Os mineiros têm um ódio mortal das palavras completas.
Preferem, sabe-se lá
por que, abandoná-las no meio do caminho (não dizem:
pode parar, dizem:
"pó parar").
Os não-mineiros, ignorantes nas coisas de Minas,
supõem, precipitada e
levianamente, que os mineiros vivem -
lingüisticamente falando - apenas
de uais, trens e sôs.
Digo-lhes que não. Mineiro não fala que o sujeito é
competente em tal
ou qual atividade.
Fala que ele é bom de serviço.
Pouco importa que seja um juiz de direito,
um jogador de futebol ou um
ator de filme pornô.
Se der no couro - metaforicamente falando, claro - ele é bom de
serviço.
Faz sentido...
Mineiras não usam o famosíssimo tudo bem.
Sempre que duas mineiras se encontram, uma delas
há de perguntar pra
outra: "cê tá boa?"
Para mim, isso é pleonasmo. Perguntar para uma
mineira se ela tá boa é
desnecessário.
Vamos supor que você esteja tendo um caso com uma mulher casada.
Um amigo seu, se for mineiro, vai chegar e dizer:
Mexe com isso não, sô (leia-se: sai dessa, é fria, etc).
O verbo "mexer", para os mineiros, tem os mais
amplos significados.
Quer dizer, por exemplo, trabalhar.
Se lhe perguntarem com que você mexe, não fique ofendido.
Querem saber o seu ofício.
Os mineiros também não gostam do verbo conseguir.
Aqui ninguém consegue
nada. Você não dá conta.
Sôcê (se você) acha que não vai chegar a tempo,
você liga e diz:
Aqui, não vou dar conta de chegar na hora, não,sô.
Esse "aqui" é outro que só tem aqui.
É antecedente obrigatório, sob pena de punição pública,
de qualquer frase. É mais usada, no entanto, quando você quer falar
e não estão lhe dando muita atenção: é uma forma de dizer, "olá,
me escutem, por favor".
É a última instância antes de jogar um pão de queijo
na cabeça do interlocutor.
Mineiras não dizem "apaixonado por".
Dizem, sabe-se lá por que, "pêxonado com".
Soa engraçado aos ouvidos forasteiros.
Ouve-se a toda hora: "Ah, eu pêxonei com ele...".
Ou: "sou doida com ele" (ele, no caso, pode ser você,
um carro, um cachorro).
Elas vivem apaixonadas "com" alguma coisa.
Que os mineiros não acabam as palavras,
todo mundo sabe. É um tal de
"bonitim", "fechadim", e por aí vai.
Já me acostumei a ouvir: "E aí, vão?". Traduzo:
"E aí, vamos?".
Não caia na besteira de esperar um "vamos"
completo de uma mineira. Não ouvirá nunca.
Eu preciso avisar à língua portuguesa que gosto muito dela,
mas prefiro, com todo respeito, a mineira. Nada pessoal.
Aqui certas regras não entram. São barradas pelas montanhas.
No supermercado, não faz muitas compras, ele compra
"um tanto de côsa".
O supermercado não estará lotado, ele terá
"um tanto de gente".
Se a fila do caixa não anda, é porque está
"agarrando" [aliás, "garrando"] lá na frente. Entendeu? Agarrar é agarrar, ora!
Se, saindo do supermercado, a mineirinha vir
um mendigo e ficar com pena,
suspirará: Ai, gente, que dó. É provável que a essa altura o leitor já esteja apaixonado pelas mineiras.
Não vem caçar confusão pro meu lado.
Porque, devo dizer, mineiro não arruma briga, mineiro
"caça confusão".
Se você quiser dizer que tal sujeito é arruaceiro, é melhor falar, para
se fazer entendido, que ele "vive caçando confusão".
Para uma mineira falar do meu desempenho sexual,
ou dizer que algo é muitíssimo bom vai dizer: "Ô, é sem noção".
Entendeu, leitora? É sem noção! Você não tem, leitora,
idéia do "tanto de
bom" que é. Só não esqueça, por favor, o "Ô" no começo,
porque sem ele não dá para dar
noção do tanto que algo é sem noção, entendeu?
Capaz... Se você propõe algo e ela diz: capaz!!!
Vocês já ouviram esse "capaz"? É lindo.
Quer dizer o quê? Sei lá, quer dizer
"ce acha que eu faço isso"? com algumas
toneladas de ironia...
Se você ameaçar casar com a Gisele Bundchen, ela dirá: "Ô dó dôcê".
Entendeu? Não? Deixa para lá.
É parecido com o "nem...". Já ouviu o "nem..."?
Completo ele fica:- Ah, nem...
O que significa? Significa, amigo leitor, que a mineira que o pronunciou não
fará o que você propôs de jeito nenhum.
Mas de jeito nenhum.
Você diz: "Meu amor, cê anima de comer
um tropeiro no Mineirão?".
Resposta: "Nem..." Ainda não entendeu? Uai, nem é nem.
Leitor, você é meio burrinho ou é impressão?
A propósito, um mineiro não pergunta: "você não vai?".
A pergunta, mineiramente falando, seria: "cê não anima de ir"?
Tão simples. O resto do Brasil complica tudo.
É, ué, cês dão umas volta pra falar os trem...
Falando em "ei...".
As mineiras falam assim, usando, curiosamente,
o "ei" no lugar do "oi".
Você liga, e elas atendem lindamente: "eiiii!!!",
com muitos pontos de
exclamação, a depender da saudade...
Tem tantos outros...
O plural, então, é um problema. Um lindo problema,
mas um problema.
Sou, não nego, suspeito.
Minha inclinação é para perdoar, com louvor,
os deslizes vocabulares das mineiras.
Aliás, deslizes nada.
Só porque aqui a língua é outra, não quer dizer que a oficial esteja
com a razão.
Se você, em conversa, falar: Ah, fui lá comprar umas coisas..
Ques côsa? - ela retrucará.
O plural dá um pulo. Sai das coisas e vai para o que.
Ouvi de uma menina culta um "pelas metade",
no lugar de "pela metade".
E se você acusar injustamente uma mineira, ela,
chorosa, confidenciará:
Ele pôs a culpa "ni mim".
A conjugação dos verbos tem lá seus
mistérios em Minas...
Ontem, uma senhora docemente me consolou:
"prôcupa não, bobo!".
E meus ouvidos, já acostumados às ingênuas
conjugações mineiras, nem se
espantam. Talvez se espantassem se ouvissem um:
"não se preocupe", ou algo assim.
A fórmula mineira é sintética. E diz tudo.
Até o "tchau" em Minas é personalizado.
Ninguém diz tchau pura e simplesmente.
Aqui se diz: "tchau procê", "tchau procês".
É útil deixar claro o destinatário do tchau.
Então...
[Leia aqui outros posts sobre o mineirês em Língua e Sotaques.]
3 comentários:
Nossa! ri de mais da conta, sô! kkkkkkkkkk
Nóóóóó, dou conta disso não, sô!
Vai ser bão!
ei! ceis tão bão?
aqui, cês num vem pra cá, não?
tchau procês!
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