sábado, 19 de junho de 2010

Mulheres da terra

Dona Maria tem 72 anos e um raro bom humor. Na zona rural de Turmalina, no Vale do Jequitinhonha, mora em uma casa grande e fresquinha, com duas cozinhas: na de fora, fica o maior forno à lenha que eu já tinha visto até então. Nos recebeu com os pés no chão e as mãos sujas de barro: “estava moldando agorinha mesmo”. Artesã de mão cheia, me levou ao quartinho onde estavam os vasos grandes que acabavam de ganhar forma. Logo conheci as bonecas casamenteiras e os outros potes, bules, jarras e copinhos – decorados e pintados por ela. Impossível não admirar a inspiração para a arte nascida em meio a tanta pobreza.

Dona Maria mora com mais seis pessoas da família e virou “personagem” na reportagem que gravei por ser uma das beneficiadas com o projeto Um milhão de Cisternas, coordenado pela Articulação do Semi-Árido Brasileiro. A cisterna, que coleta a água da chuva para os períodos de seca, é a única garantia de água limpa para essas famílias. [Neste caso, não era clorada... e parece que raramente há tratamento...]

Mas a participação desta grande mulher no post do Tutu Mineiro tem outro significado. Ao longo dos dez dias e dos 2.400 quilômetros rodados no Jequitinhonha, conheci histórias de outras donas e jovens Marias que, em comum, têm paixão por sua terra. Ainda que seja pobre, ainda que seja isolada, ainda que seja esquecida por nossos governantes.

Em Irapé



Entre os poucos funcionários da monstruosa usina hidrelétrica de Irapé, que exigiu o reassentamento de 1.100 famílias, conheci Ádila, a moça da foto. Tem 40 anos e aparência de 28. Enquanto nos acompanhava na visita ao polêmico reservatório, contou que morou quase um ano em São Paulo e achou horrível. Formada em História, ela foi atrás do sonho que contamina outros moradores das pequenas cidades do Vale. Saiu de Virgem da Lapa, de 13.600 habitantes, para acompanhar os irmãos que estavam fazendo a vida na grande metrópole. Conseguiu emprego como manicure, mas se sentia mais uma no meio da multidão. “Lá ninguém te dá bom dia, não olha para a sua cara. Aqui eu gosto de ser chamada pelo nome, de sorrir para as pessoas”, comparou.

Ádila é otimista com o futuro e não se ilude mais. Não pretende mudar nem para Montes Claros, nem para Diamantina: quer continuar na sua cidadezinha, próxima da família, das raízes. Por sorte, tem seu sustento.

Volto desta viagem marcante com o mesmo sonho: que mais mulheres filhas do Vale tenham a oportunidade de construir suas histórias ali mesmo, na terra ensolarada e acolhedora deste sertão brasileiro.

3 comentários:

ZECA LEMBAUM disse...

Julim, o "jequitinhonha é aqui" - é só dar um pulinho até o Vale do Ribeira (quase no Paraná)pra ver essa mesma miséria retratada. Tomara que haja outras sonhadoras neste outro Vale.
Ah! o novo formato do blog tá mais "jeitoso".
Beijo grande.

Anderson Ribeiro disse...

Julia, a vida da Maria e o relato da Ádila são os mesmos de tantos outros brasileiros. Sergioca que sou, vi vários rostos e desvendei, através dos devaneios que pareciam balões de quadrinhos, sonhos de viver melhor longe de casa, em terras estranhas, como São Paulo, por exemplo, que foi de tantos nordestinos. Tenho o mesmo desejo que você, mas como Ádila, fui procurar 'meu futuro' em outras paragens. Olha só onde estou agora. No 'Detrito Federal'.

Júlia Tavares disse...

Oi meninos criativos deste mundo,
obrigada pelos comentários. Com certeza o tema (ou dilema?) da "busca" por um lugar para viver/ fincar raízes/ construir histórias é fundamental na história deste nosso país...... Valeu as lembranças do Vale do Ribeira, do nordeste e do "Detrito"... Beijos!!