segunda-feira, 29 de outubro de 2007

Mercado Central

Gerente executivo do Banco do Brasil, quando entra em seu local de trabalho, pode reclamar de tudo, menos de monotonia. Em seu percurso diário até a sala com ar condicionado da agência instalada dentro do Mercado Central, o homem engravatado pode se distrair com o cacarejo ritmado de uma galinha histérica, o piar inspirado do canário amarelo e o latido balbuciado do filhote vira-lata. Nos corredores do Mercado, pode tomar o café da manhã, almoçar e ainda beber e petiscar as mais procuradas comidas de boteco da cidade.

O Mercado Central, construído em 1929, é uma Babel, como todo mercado municipal. Mas parece mais inusitado do que os outros pelo contraste radical entre os elementos da cultura popular mineira e os da modernidade urbana. Além do Banco do Brasil, tem CVC Turismo e banca de revistas próximas a açougues que martelam a importância da vida vegetariana. No sábado passado, meu pânico foi ter encarado, a contragosto, um leitão inteiro, peladinho da silva, pronto para venda.

Há por fim artesanato, [muito] queijo, roupa, frutas, temperos, ervas milagrosas, louça, lembrancinhas. Há coisas que só se encontra por lá, como coalhada. Com uma qualidade muito boa de produtos e de atendimento, o Mercado é passagem garantida de gente fina, atrás de requintados docinhos de nata e de abóbora, e de gente muito simples, à procura da folha de babosa que, entre suas várias “propriedades”, é recomendada para prisão de ventre, como explicou uma das compradoras da planta.

Mas atenção: nem tudo são flores. No Centro de Mídia Independente, soube que o Mercado Central é sinônimo de maus tratos a animais. Neste link, é possível ver as fotos dos animais em situação degradante, com legendas como “Esta galinha estava semi-morta, doente e estática”.

PS. O The New York Times publicou no domingo uma reportagem sobre BH. Traduzido pelo UOL, o texto Belo Horizonte, uma cidade onde o mundo é um bar destaca as várias ofertas etílicas da cidade e procura mostrar que tais atributos deviam ser suficientes para tornar a capital mineira mais conhecida no exterior. (...)

quarta-feira, 24 de outubro de 2007

Alquimista da dor

Ferreira Gullar esteve ontem em BH numa passagem meteórica. Convidado do projeto Ofício da Escrita, do Museu de Artes e Ofícios, começou a conversa com uma constatação pontual: “Tudo é inventado”. Para Gullar, esta é uma certeza comum a todo artista. Ele acredita que para melhorar tudo o que nos cerca, o homem cria o mundo constantemente. Por isso inventou Deus. Por isso inventou as cidades. Por isso inventou a arte.

Fiquei impressionada com a contundência de sua critica à arte contemporânea, que deu o tom de boa parte do debate. Ao contrário de todas as outras linguagens artísticas, que souberam evoluir a partir de movimentos de vanguarda, as artes plásticas ficaram paralisadas. Apresentadas como obras de arte, “areia dentro de uma garrafa” e “larvas na banana” são exemplos de extremo niilismo, opinou. São obras que não ensinam, não compartilham, não encantam.

Gullar, que foi poeta parnasiano no início da carreira e por fim pregou a liberdade de experimentação no movimento do Neoconcretismo, não vê a falta de limites com bons olhos. Seu limite é a palavra. É por meio dela que ele reinventa o mundo e procura “dizer o indizível”, traduzindo experiências únicas como o cheiro do jasmim ou a surpresa do bater de ossos do próprio corpo.

Antes do fim da conversa, Gullar recitou dois poemas. No site oficial, também é possível ouvir alguns. Compartilho aqui meu encantamento.

Barulho

Todo poema é feito de ar
apenas:
a mão do poeta
não rasga a madeira
não fere
o metal
a pedra
não tinge de azul
os dedos
quando escreve manhã
ou brisa
ou blusa
de mulher.

O poema
é sem matéria palpável
tudo
o que há nele
é barulho
quando rumoreja
ao sopro da leitura.

sexta-feira, 19 de outubro de 2007

Três anos de ponte rodoviária












Pelos meus cálculos, acabo de completar três anos de viagens noturnas no ônibus convencional da Viação Cometa, poltrona 13. Nesta volta do feriado prolongado, o esforço mental foi grande para lembrar que a velha rodoviária do Tietê é agora destino de ida, não de volta.

Nesses três anos de ansiedade, medo, (muita) alegria e tristeza, acompanhei diversos ciclos da rodoviária. Uma grande reforma já transformou o espaço em shopping. São 74 lojas, incluindo tabacaria, Bob´s, Café Ritazza e muitos pontos que vendem Dunkin' Donuts. Na época do auge da crise aérea, vi o velho Tietê sendo freqüentado por gente bem mais abastada, disputando cadeiras na ala VIP da Cometa e da 2001.

Também acompanhei a invasão publicitária por ali, onde a Lei Cidade Limpa ainda não deu as caras. Desta vez, foi assustador: em quatro minutos de caminhada, cruzei com seis outdoors nos corredores do Terminal e da plataforma dos ônibus. Lacta, Kaiser e Sol disputam a atenção dos passageiros com propaganda atenta ao público-alvo: “Aproveite que você não vai dirigir e peça a sua bem gelada”, dizia um dos anúncios.

Já a decoração durante as festas e feriados nacionais é algo mais tradicional. O Terminal cresceu, mas o canteirinho com coelhos na páscoa, com bonecos pulando fogueira em junho e com o trono do Papai Noel made in Paraguai é sempre o mesmo. Levei um susto quando o pseudo-velho estava de fato na cadeirinha, aguardando crianças corajosas que quisessem abraçá-lo.

Freqüentando o espaço, descobri que o banheiro gratuito é bem mais distante da saída do Metrô e pouquíssimo sinalizado. Fica próximo ao Habib´s e à lan house. Por perto está um mundo a parte, com posto de saúde e assistência social pública.

Mas as melhores histórias deste percurso são mesmo a bordo do Cometa. Dividi a poltrona com muitas figuras interessantes: marido que trabalha em SP de segunda a sexta e volta para BH todo o fim de semana. Solteira desiludida com o ex-namorado que aceitou convite da tia para largar tudo em Minas. Jovem que abdicou da vida pessoal para ser missionária católica. Homem que dormia caindo no meu ombro. Mulher que insistiu para que eu aceitasse um pedaço do seu cobertor.

Na minha penúltima viagem de volta para BH, uma moça trazia um cachorrinho enrolado numa manta. O motorista não quis aprovar o embarque, preocupado em ser denunciado por algum passageiro. Ela insistiu, dizendo que sempre viaja com o animalzinho, bastante comportado, negando-se a sair da poltrona. A turma do ônibus, irritada com o impasse que só atrasava a saída, votou pela permanência do bicho.

Cheguei com três horas de atraso uma única vez. O caso foi sério e começou quando dois playboys deram falta da câmera digital após a segunda parada. Quando o motorista estacionou na delegacia para a revista, outro cara constatou que tinha sido roubado. Levaram 10 mil reais em dinheiro vivo, embrulhados num pacote de papel pardo...

quinta-feira, 11 de outubro de 2007

Diamantina











































Diamantina é minha cidade histórica favorita em Minas Gerais. Diferente do circuito de Ouro Preto, é aberta, clara, alegre. Tem vida própria.

Subindo os morros de chão de pedra, os nativos (já meio mineiros, meio baianos) olham desconfiados para os turistas e seguem caminho mais adiante. Só mesmo o turista deslumbrado respira fundo o ar das montanhas da Serra do Espinhaço e acha novidade poder desfrutar da mesma vista que um dia a ex-escrava Chica da Silva escolheu para fincar sua casa. Forasteiro, quer entrar na máquina do tempo e vivenciar o cenário da rica e próspera cidade do circuito do diamante e da rota certa dos escravos que trabalhavam na mineração.

Outro símbolo turístico da cidade, a Casa da Glória, de 1750, já foi moradia do primeiro bispo de Diamantina e abrigou o colégio das irmãs Vicentinas: para que as internas não tivessem contato com os reles mortais da rua, foi construído um passadiço fechado entre os dois prédios. Gostei de lembrar que por ali estudou a Luisinha, irmã de Helena Morley, em 1895... Helena foi neta de ingleses que viveram em Diamantina. O diário da menina virou o livro e o filme “Minha vida de menina”.

Entre as atrações mais “recentes”, está a casa onde nasceu Juscelino Kubitschek – suas camas, mesas e cadeiras, todas simples, lembram miniaturas dignas dos sete anões. Desta segunda vez que estive por lá também consegui ver uma vesperata – ou o inverso de serenata. Quem fica na janela são os músicos. Os maestros se revezam num palco no meio das mesas de bar e da multidão para reger a banda empoleirada nas sacadas dos casarões da vila. O repertorio é bastante variado e, cá entre nós, nem sempre prima pelo bom gosto. [Não acho "Besame mucho" uma escolha acertada...] Mas não deixa de ser um espetáculo imperdível...

Minhas fotinhos, de cima para baixo: Casa do Glória, Igreja de São Francisco de Assis e algumas sacadas para músicos da vesperata.

quinta-feira, 4 de outubro de 2007

Pingado e pão na chapa

Não imaginei sentir tanta falta de sentar num balcão de padaria que sirva café com leite e pão na chapa. Ainda que o café esteja aguado e o pão amanhecido, não há nada melhor para um fim de tarde.

Ontem andei alguns quarteirões, faminta, em busca deste lanchinho tão trivial. Na padaria mais próxima de casa – com catraca para entrar, que vende sabão em pó, bananas, azeite e... pão – sequer havia balcão. Uma barata beirando uma prateleira de produtos me fez desistir de levar ao menos alguns pães de queijo. Passei ainda por uma sorveteria, uma casa de massas congeladas, um bar que só vende cachaça e terminei parando na confeitaria MOMO.

A MOMO é fina estampa. Tem doces que servem as festas mais badaladas da cidade. As trufas e os mousses são de dar água na boca. Por lá, consegui um café expresso com leite numa xícara de porcelana e uma coxinha que precisou de bastante katchup para descer. A fome não passou. Dá-lhe pão de queijo.

Amigos, preparem-se. Na próxima visita à Sampa, vai ser fácil (e barato) me agradar.

terça-feira, 2 de outubro de 2007

Muita música













Procurava uma definição convincente de música independente e por fim gostei do conceito da Associação Brasileira de Festivais Independentes: “Criação autoral, com divulgação por meio de shows, CDs e veículos de comunicação (principalmente a internet) sem o amparo das grandes gravadoras”. Em outras palavras: para sobreviver e tocar, “te vira, nego”. Minas Gerais é berço de produção cultural de primeira, mas não consome. Mas vejo que em BH esse pessoal tem tido um apoio razoável, principalmente por meio de projetos que captam recursos da prefeitura e das leis estaduais e nacionais de incentivo à cultura.

Domingo passado, no Museu de Mineralogia (mais conhecido como “Rainha da Sucata”), em plena praça da Liberdade, assisti um show da cantora Elisa Paraiso. Ela interpretou canções de Joyce, Teresa Cristina e do mineiro Kristoff Silva, que apareceu como convidado especial. De arrepiar de bom. Kristoff lançou “Em pé no porto”, seu primeiro CD, com participações de Ná Ozetti e Luiz Tatit. [Vale a pena ouvir!!]

Amanhã é o ultimo dia do projeto Stereoteca, que tem a ambição de “capturar” movimentos da cena de Belo Horizonte em pleno vôo. Os holofotes do teatro da biblioteca municipal estarão focados na intérprete de MPB dona Jandira, nascida em Maceió, que é artesã, comanda um coral de crianças e adolescentes e começou a cantar profissionalmente aos 66 anos. O convidado é Vítor Santana, compositor daqui. Ele também tem um CD recém-lançado em parceria com a companheira Mariana Nunes (“Abra Palavra”). Além de músicas próprias, os dois resgatam afro-sambas, toadas e baiões.

O Stereoteca, já no segundo ano, tem sido bastante elogiado pela abrangência do projeto: o site, super produzido, fala um pouco sobre cada artista e permite baixar MP3. Nos shows, ainda são distribuídos exemplares gratuitos de um álbum ilustrado de figurinhas, com duas páginas para cada músico. Da minha parte, estou curtindo a regressão: não colecionava figurinhas desde a década de 1990. Aposto que a idéia vai servir como case de sucesso para os publicitários de plantão... Pena que estou longe de completar o álbum. E nem sei jogar bafo para ganhar na raça.