quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Colírio realidade








Posologia: Pingar dez gotas de Linha de Passe em cada olho. Dose única. Medicamento de ação imediata. Ao persistirem os sintomas de cegueira, recomenda-se descer no ponto final do ônibus Jardim Perifa em São Paulo.

**

Eis a São Paulo sem máscaras no cinema. Linha de Passe, de Walter Salles e Daniela Thomas, revela as sutilizas e as brutalidades da vida da massa que integra esta complexa e múltipla civilização.

O céu cinza, o tempo chuvoso, a pia entupida. O ônibus lotado, o trânsito na Marginal, o risco de morte constante. Os manos, os evangélicos, o futebol de várzea. Personagens e símbolos de uma metrópole atrofiada, dona de humores próprios.

Interessante como o colírio-filme também surte efeito em morador de qualquer cidade. Logo ao sair da sala de exibição, enxerguei com nitidez o menino cheirado de cola entrando no McDonald´s da Savassi. O catador que buscava valor no lixo do Subway e o motoboy estacionando na avenida. Traços marcantes do Brasil que não quero tirar de vista.

sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Sinuca no céu

O poema de Makely Ka poderia ser a narração em off de uma reportagem factual sobre a tempestade de granizo que arrasou diversos bairros da cidade e da região metropolitana de BH antes de ontem. Em apenas meia hora de chuva, as bolas de gelo destelharam casas, quebraram vidros de carros e desalojaram famílias de classe média e bem abaixo da média. O céu não despencou sob minha cabeça, mas nosso carro – que estava estacionado na Pampulha - voltou pra casa com dezenas de celulites e um estilhaço no pára-brisas.

Segue a matéria possível, da Globo Minas, neste link.

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Topa tudo

Em apenas uma página, os classificados de ontem no jornal O Tempo conseguiram provocar nesta desavisada leitora algumas boas risadas logo pela manhã. Eis as pérolas em preto e branco, preservados os respectivos erros de português.

Seção Comunicados

Cultura racional -
“O maior patrimônio da vida é a pessoa se conhecer”. Leia os Livros: UNIVERSO EM DESENCANTO.

[Já vi este filme antes...]

Detetive particular – O Águia
Investigação empresarial e familiar com fotos, filmagens e gravações eletrônica. Equipes masculina e feminina, equipamento eletrônico de última geração, investigação no Brasil e no exterior.
Entre para o fascinante mundo dos mistérios e seja um aliado da justiça. Ganhe muito dinheiro e prestigio. Grátis porta documentos com brasão.

[O companheiro ignora que o país não vive exatamente um bom momento para divulgar a facilidade com que se grampeia ilegalmente por aqui.]

Seção Tudo para a sua Casa

Sexo sem medo -
Com técnica americana, com poucas consultas excelente resultado.
Tratamento de Ejaculação Precoce/ Impotência Sexual/ Frigidez Feminina

Seção Beleza e Estética

Leite de Manga 300GR -
Cicatrização de rachadura nos pés, alergia nas mãos, estrias, rejuvenescimento. Manteiga de Manga, Uréia, Estrato de mel, Vitamina E.

domingo, 14 de setembro de 2008

O meu remédio é cantar

Pesquisa do Ibope mais recente - do dia 12 de setembro - aponta Márcio Lacerda (PSB) com 42% das intenções de voto, seguido de Jô Moraes (PC do B), com 12%. Leonardo Quintão (PMDB) aparece em terceiro, com 11%. Gustavo Valadares (DEM) está com 2%. Os outros candidatos têm 1% cada: Sérgio Miranda (PDT), Vanessa Portugal (PSTU), Jorge Periquito (PRTB) e Pepê (PCO). O que ainda chama a atenção é o número de indecisos: 19%. Será que, uma vez esclarecidos, esta parcela de eleitores poderá alavancar um segundo turno? Ojalá!

Sem muitas novidades na campanha, reparei como os jingles revelam sobre o perfil de cada candidato. São divertidos. Aqui, seguem os principais refrões musicais dos protagonistas do horário nobre obrigatório. [Para ouvir a versão completa que não aparece na TV por falta de tempo com exceção de Lacerda, siga o link do site oficial.]

Sérgio Miranda
Ritmo: música de videogame

Tudo certo/ tudo certo/ tudo certo/ tudo Sergio
Meu voto é 12

Jô Moraes
Ritmo: samba

Mulher guerreira
Mulher do povo a gente sabe o que quer
Jô Moraes
A prefeitura nas mãos de quem é capaz

Jô Moraes é competente e preparada
É continuidade Lula, Célio e Patrus
Queremos ver Belo Horizonte mais humana e mais feliz
O povo quer, o povo diz

Jorge Periquito
Ritmo: rock evangélico e forró moderno

Periquito, periquito, periquito
É nesse que eu acredito
28 é Periquito
Para prefeito de BH

Gustavo Valadares
Ritmo: ?

Belo Horizonte na palma da mão
Gustavo no coração

Marcio Lacerda
Ritmo: jingles de Duda Mendonça com forró moderno

A lagoa da Pampulha sorri,
A Liberdade tá florida!
O meu orgulho vem lá da Afonso Pena,
Do Barreiro à Venda Nova,
Vai à Serra do Curral!

(...)

Eu sou mineiro,
Eu sou de BH!
Dessa cidade cada vez mais unida!
Eu tô com Lula, Aécio, Marcio e Pimentel,
A gente junto pode mais,
Vem você também!

É isso que a gente quer,
Marcio Prefeito!

É isso que a gente quer,
Mais e bem feito!

Marcio pra continuar,
Marcio pra melhorar,
A nossa BH!

André
Ritmo: palmas

Sou brasileiro/ sou PT do B
Sou brasileiro/ sou PT do B

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Ocupar com arte













(Um novo Mercado Novo em foto de Desali)


Semana passada fiz o circuito grafiteiro em BH. Comecei pela Bienal na Serraria Souza Pinto e, na sexta-feira, peguei o último dia da mostra Kreu Krio, no até então desconhecido (e decadente) Mercado Novo. O contraste foi instigante.

Nos dois casos, tratava-se de grafite fora do contexto original. Nas paredes do galpão da Serraria, a pretensão de alavancar este tipo de manifestação a um patamar formal causou um estranhamento maior. A poluição visual das grandes gravuras dispostas muito próximas entre si dificultou um olhar mais atento aos trabalhos. Já as megainstalações – como o carro todo pintado e o trabalho com peças usadas de computador que tomou o espaço de um corredor inteiro – são interessantes, mas me parecem idéias pouco inovadoras. No geral, os trabalhos são pouco engajados e sequer agradam do ponto de vista estético.

Audácia e independência ficaram mesmo por conta da mostra Kreu Krio. A começar pela escolha do local – um dos cantos da Belo Horizonte que não aparece em cartões postais ou em programas de campanha política na TV. Nesse espaço mal preservado que se tornou um ponto de vendas de embalagens e isopor, a garagem se mistura com espaços de circulação de clientes. A escada rolante não “rola” há bons anos. E quanto mais alto o andar, maior o abandono.

Mas o banheiro sujo do terceiro andar recebeu as cores vibrantes do grafite em toda a parede. Nos corredores desocupados, cavaletes antigos de propaganda eleitoral receberam stickers irônicos e questionadores. Em meio ao vazio, ficou mais fácil refletir sobre a arte e a realidade daquele estranho espaço. A visita me fez lembrar os já históricos dias de ocupação de artistas de SP na ocupação dos movimentos de moradia no edifício Prestes Maia em 2004. [Para saber mais, é só clicar no site do Túlio Tavares!]

Quem também gostou da movimentação atípica no Mercado Novo foi um dos donos da Serralheria Mangaba. Sujo de graxa no macacão azul, Lúcio Camilo de Menezes também ficou encantado com a grafite do banheiro. São 45 anos trabalhando por ali – ainda menino, vendeu laranja nas redondezas e depois trabalhou na reforma do prédio, antes usado como oficina de bonde da cidade. “Se eles cuidassem de isso aqui, seria uma coisa linda”.

Que venham mais grafiteiros e outras [a]mostras de inteligência como essa!

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Som e palavra













Escritores ou músicos. Minha primeira impressão dos mineiros [um pouco romântica, começo a reconher...] é a de que sobra talento artístico neste povo um tanto acanhado de Belzonte. O pouco que acompanho da nova música em Minas já é um indicio disso, mas a observação não se refere apenas aos profissionais. Em qualquer bar ou centro cultural do centro e da Savassi é comum encontrar distribuição gratuita de suplementos de leitura, postais e jornais independentes com belos textos.

Outras vezes, o convite à leitura é feito dentro de algumas linhas de ônibus da cidade, em textos plastificados e amarrados numa cordinha de nylon aos assentos. Já descobri que o premiado projeto Leitura para Todos pode tanto contemplar um capitulo inteiro de Iracema, de José de Alencar, como “hai-cais” malucos de um escritor local. Muito melhor do que olhar a nuca do passageiro da frente.

Outro projeto especial é a revista Mininas. Só meninas de minas [ou quase todas! A conterrânea Elisa é uma das bem vindas forasteiras] publicam ali seus mini contos, poesias, fotos e desenhos. Em páginas coloridas no formato 10 x 10 centímetros, é preciosidade e pura delicadeza. Já são 13 edições, todas disponíveis on line no site. A versão palpável é normalmente encontrada no Palácio das Artes, na livraria Quixote, no Café com Letras e no cinema Belas Artes, entre outros endereços descolados.

A número 13 já está esgotada. Pena. Logo logo, vale 300 reais no mercado negro.