quarta-feira, 30 de abril de 2008

Galos & Raposas

Não tenho a intenção de comentar meu dia a dia de trabalho neste blog, mas a estréia na cobertura de futebol foi tão marcante que não poderia passar batida. De última hora, soube que eu seria mandada para acompanhar um protesto de atleticanos na sede do clube, revoltados com o cinco a zero para o Cruzeiro na primeira partida da final. Mas essas eram as únicas informações do meu repertório futebolístico.

E lá vou eu para a sede do clube, levando um jornal do dia para saber detalhes como o nome do técnico e do presidente do Atlético. Achei divertido descobrir que o Cruzeiro – o time azul – também tem uma variante no reino animal. São as raposas.

Já compreender o grau de ódio dos torcedores do galo em frente à sede foi um exercício mais complicado. “A minha mulher tá sofrendo muito, ela não saiu na rua com vergonha do time”, me contou um deles. O clima estava bem pesado. Os olhos, raivosos. Por pouco não tive um ataque Amélie Poulain pregando a paz entre os povos. Ou melhor, entre os times.

Uma hora depois, já sabia das falhas da escalação do Geninho e das falsas promessas de Ziza para a contratação de um time centenário. Foi uma pena ter saído de lá antes do tiro de borracha da polícia para conter o tumulto que se armou na saída do Ziza. Perdi a noticia.

No dia seguinte, a cidade amanheceu nitidamente dividida entre raposas sorridentes e galos escaldados. Pela primeira vez, a seção de Esportes do jornal não foi ignorada. E minhas duas grandes amigas Lica e Mari – jornalistas esportivas desde sempre - ganharam ainda mais pontos na escala da minha admiração.

domingo, 27 de abril de 2008

Virada à mineira

Estive nas duas edições anteriores da Virada Cultural em São Paulo. Na primeira, comecei a noite numa roda de fandango de Cananéia (litoral de SP) com amigos do grupo Jovens Fandangueiros do Itacuruçá, no Mercado Municipal. Eles não puderam levar microfones nem tiveram espaço reservado para tocar. De lá, encarei uma fila gigantesca no Teatro Municipal, mesmo sem saber qual seria a atração. Consegui entrar para a performance ultra moderna de um grupo de teatro e por fim, passada a euforia inicial, abandonei as poltronas aveludadas. Se por um lado gostei de ver o pessoal da periferia aproveitando o direito de entrar ali, tive raiva da falta de critério na escolha do espetáculo. Era muito ruim.

Ano passado cheguei atrasada para uma apresentação de rua do Ballet da Cidade, que dançava ao som de músicas do Chico Buarque. Quis me aproveitar desta eterna condição de baixinha para furar a multidão, mas quase levei porrada. O jeito foi me contentar com um ombro dançante e outra perna voadora.

Ainda peguei O Teatro Mágico – que finalmente passei a enxergar como um dos principais fenômenos de sucesso entre adolescentes despontado do circuito alternativo. Mas depois de muito massacre para tentar um espaço em frente ao palco, acabei assistindo ao show pelo telão. A menina do meu lado, com o nariz de palhaço que identifica os fãs do grupo, subiu no ombro do namorado para ter uma visão mais apurada... do telão.

Toda essa introdução para ponderar que o melhor da Virada Cultural é viver a cidade e desfrutar do espaço público. E que, por coincidência, nesta noite de sábado foi possível sentir esse clima de noite em festa aqui em BH. Até o próximo domingo, o parque Municipal iluminado de verde recebe shows noturnos de bandas que já são sucesso no circuito independente em Minas e outros estados. O projeto é o Conexão Vivo (antigo Telemig Celular). Foi assim que conheci um som estilo Orquestra Imperial feito por doidos bacanas de Brasília chamados Móveis Coloniais de Acaju. (!!)

A desvantagem em relação à Virada paulista é que os ingressos não são gratuitos. Custam de 5 a 10 reais. Ao menos é possível garantir que a visão do show será ao vivo...

Língua

Em Minas, pronomes são desnecessários e enfadonhos. Não se diz “eu me formei no ano passado” ou “ela ainda não se arrumou para sair”, mas sim “formei ano passado” e “não arrumô”. Nessa lógica de linguagem, gosto de usar o “Anima?”. É um convite para outra pessoa: “Quero ir ao teatro esta noite. Você se anima a ir junto?”.

E sempre há uma única palavra local para descrever situações complicadas. “Garrei” é minha preferida. Na primeira pessoa, o verbo “garrar” quer dizer “tive um problema e não vou sair do trabalho na hora que combinamos, pode esquecer de me esperar, a coisa aqui tá preta”. Há também a variação para quem “garrou” no trânsito e não vai chegar em casa a tempo do jantar. [Sim, aqui o trânsito já me provoca deja vù de São Paulo em alguns horários.]

Na verdade, ainda patino no nível intermediário de mineirês. Acabo de descobrir, via meu ombusdman Eduardo, que “Tô garrado” como resposta a um convite é confirmação de presença. Exemplo:

- Véi*, cê vai no churrasco lá amanhã, véi?
- Nó, véi, tô garrado!

*Velho

Já vi que preciso tirar o diploma de nível avançado antes das próximas análises semânticas...

sexta-feira, 25 de abril de 2008

Abaixo a coxinha!

Ao final da apresentação de lançamento do DVD do Maracatu Lua Nova no teatro Francisco Nunes, o público de 600 pessoas sentadas em cadeiras mais as 100 sentadas no chão ganharam feijão tropeiro e um gole de cachaça mineira. As duas empresas que forneceram o “coquetel” gratuitamente atenderam com classe a voracidade do público, tomado pelo instinto da fome.

Meia hora depois de servida a comida, a menina do bairro Aparecida já brincava de fazer castelinho com o que sobrou do feijão. Eu mesma me senti à vontade para levar uma quentinha para casa. “Bafão” assumido.

O cardápio, obviamente, não deveria ser o lide da noite de terça-feira. O DVD que conta a história do grupo formado em 2002 em Belo Horizonte é muito bem feito, com depoimentos dos integrantes no intervalo de apresentações pela cidade e muita música. E mesmo espremidos no palco, eles ainda se apresentaram ao vivo, com as catirinas e todos os instrumentos típicos do ritmo herdado de Pernambuco: alfaia, gonguê, tarol, caixa e ganzá.

Mas ao imaginar toda aquela multidão comendo coxinhas e canapés, saquei o quanto seria forçado. E faço questão de elogiar os organizadores por mais este cuidado com a festa. Foi a cereja no bolo. Ou o ovo no feijão.

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Impossível não se emocionar com as meninas e os meninos novinhos que fazem parte do Maracatu. Mesmo antes de aprender a pegar na baqueta, alguns já carregam o seu tamborzinho. Outras viram princesinhas africanas com a saia rodada e o lenço na cabeça. Aqui, a foto de um desses protagonistas, tirada numa festa de Congado em Raposos, perto de BH, em 2005. Fico devendo as catirinas mirins.


terça-feira, 22 de abril de 2008

Galpão: primeiro encantamento














Era o último dia de uma curtíssima temporada de repescagem da peça “Pequenos Milagres”. Já sabíamos que os ingressos estavam esgotados, mas nos firmamos na possibilidade de que os 30 cortejados com cortesias não aparecessem no teatro. Encaramos a fila com resignação e alguma cara feia para o amigo do amigo do amigo que entrava na nossa frente.

Mas era noite de milagres. E conseguimos entrar. Em seguida, fomos tomados pelo alumbramento de uma montagem do grupo Galpão. As quatro histórias da peça foram escolhidas entre 600 recebidas durante a campanha Conte sua História, quando a população de Minas foi convidada a enviar cartas e e-mails – anônimos ou não – descrevendo uma vivência pessoal com alguma pontinha de verdade.

Cabeça de cachorro, que amarra as outras três histórias, me transportou para o caótico centro de São Paulo com apenas seis atores em cena. Os poucos elementos do cenário foram suficientes para restituir a essência da praça da Sé – ou praça “do Zé”, como pensava o menino protagonista. Aos 11 anos, tomou um ônibus sozinho partindo do interior com uma curiosa incumbência do pai: levar a cabeça do cachorro que mordeu o irmão mais novo para a vigilância sanitária de São Paulo. Perdido naquela confusão de pregadores religiosos, homens de negócio, vendedores e assaltantes, ele descobre que pode ser dono do próprio caminho.

Por fim, a peça é um presente ao público pelos 25 anos do Galpão. De forma singela, consegue lembrar que o cotidiano pesado de gente pobre deste país também está cercado de estrelas e sonhos que se realizam.

Um alento para tantas camas quadradas e casais redondos, espíritos penados e virgens de 40, como comentei neste post.

segunda-feira, 21 de abril de 2008

No alvo

Que a fidelidade junto aos consumidores seja um dos grandes objetivos da propaganda, todo mundo sabe. Mas que o público visado possa ser a população de um Estado em particular, não é algo tão comum. Especialmente no caso de marcas nacionais.

Eis as frases que colhi de anúncios da Kibon espalhados em pontos de ônibus por Belo Horizonte:

- Minas está no coração do Brasil. E no nosso também.
- Mesmo longe do mar, mineiro sabe como se refrescar.

- É sorvete, mas a gente já se acostumou a ser chamado de trem.
- Se derreter, a gente entende. Mineiro é mesmo um povo muito caloroso.

A Tim usou tática parecida (“É assim que mineiro fala”). Mas foi mais modesta no puxa-saquismo.

domingo, 13 de abril de 2008

Coco, congado e pão de queijo

Desta vez, saquei o celular do Eduardo para mostrar em imagens algumas outras cenas (ainda) muito peculiares da vida mineira. Domingo passado acompanhei uma edição do agitado projeto “O Museu Guardas”, no Museu Mineiro. Cinco guardas de congado de várias regiões de Minas entraram cantando e batendo tambores dentro do museu em reverência às imagens sacras do barroco mineiro.

Lá pelas tantas da tarde deveria acontecer o lançamento do CD “Os cocos”, do grupo de coco Ouricuri. Com a ameaça de chuva, eles bateram os tamancos e tocaram a versão acústica do CD dentro da sala nobre do casarão, lotada de cruzes e santos dourados - alguns em suportes giratórios - do século 18.

No meio dessa bagunça, com menino correndo pra tudo quanto é lado, o diretor do museu propôs uma performance pra lá de autêntica. Quatro convidados da área de artes plásticas preparam uma receita deliciosa de pão de queijo para todo mundo. Enquanto isso, qualquer um podia se servir de queijo meia-cura. Voltamos para casa com a receita impressa do venerado quitute e com novas interrogações provocadas pela arte contemporânea.

sábado, 5 de abril de 2008

Barro Preto Fashion

O Barro Preto em BH está na fronteira entre a rua Zé Paulino e as ruas do Brás em São Paulo. O bairro concentra lojas de roupas de malha vendidas a preço de banana e outras que são perfeitas lojas de shopping chique. Mas, em comum, quem está por ali quer preços mais baixos. O circuito é para sacoleiras, mesmo.

Vesti meu cocar e lá fui eu. Acabei sendo fisgada por bexigas roxas e douradas na entrada de uma loja. O olhar míope demorou a entender o que acontecia lá dentro, mas era isso mesmo – mulheres desfilavam ininterruptamente numa passarela – bolsa, sapato, blusa de oncinha e shorts de cetim. A seleção musical era digna de desfiles internacionais. Enquanto isso, o único ser do sexo masculino por ali narrava os preços das peças num microfone sem fio, destacando: “Aqui na Bless, tem desfile todos os dias!”.

O mais louco estava por vir. Uma outra locutora (!!) perguntou quem seria a próxima cliente a desfilar. “Atenção, valendo!”. E uma jovem vendedora gritou da cabine: “Aqui!!!”. Ela correu levando a cliente para a passarela. A menina foi e voltou duas vezes e recebeu aplausos efusivos da clientela. Em seguida, todas as nove vendedoras assopraram no apito que carregavam pendurado no pescoço. “Parabéns, a cliente ganhou 5% de desconto e a equipe 1 ganhou 5 pontos!”.

Era uma gincana para “motivar” as vendas.

Em seguida, sobe outra cliente. Mais som de apito e gritaria de mulherada eufórica. Quando uma senhora quis experimentar a roupa da modelo, saquei que a coisa deve dar retorno. Ainda assim, fiquei perplexa. De quem será a idéia original?