quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

Cana, caqui, inhame, abóbora..






Zanza daqui Zanza pra acolá/ Fim de feira, periferia afora
A cidade não mora mais em mim/ Francisco, Serafim/ Vamos embora

Meu ipod mental tocou Assentamento, do Chico Buarque, por dois sábados seguidos. A primeira vez foi durante o sábado de Carnaval. Passei no final da feira na barragem Santa Lúcia para trazer limão, ingrediente básico que faltava para o almoço do dia. Foi quando vi, do outro lado da rua, um povaréu com sacolas na mão e crianças fazendo a farra em frente ao sacolão Lisboa - que sempre exibe frutas e legumes escandalosamente bonitos.

Entre as hipóteses para aquela cena estranhíssima, considerei haver uma batida policial. Mas a expressão no rosto do povo não era bem a de “medo”. O feirante acabou entregando o ouro. Contou que, todos os sábados, às 13h30 em ponto, o Sacolão faz um “rapa tudo”, vendendo todo o estoque por metade do preço da banana. Minutos depois, abriram o portão e a multidão entrou literalmente CORRENDO. Um Deus-nos-acuda total.

Claro que eu precisava testemunhar aquilo. Levei a mãe turista junto e repentinamente fomos tomadas pelo “vírus rapa-tudo”:

3 FOLHAS POR 1 R$
QUILO DE QUALQUER FRUTA POR R$ 1,29
QUILO DE QUALQUER LEGUME - INCLUINDO LARANJA E LIMÃO - POR R$ 0,79

Passei a disputar maçã por maçã. Quiabo por quiabo. Bananas, quase nada. No desespero por encher o saco plástico de vagem, uma dona derrubou tudo no chão. Depois recuperou uma a uma. As crianças da comunidade oferecem o serviço de carregador. Também guardam lugar na fila, enquanto mastigam pedacinhos de cana já cortados. Roubam todos os saquinhos plásticos e distribuem para as tias.

Alguns minutos depois, quando voltei a achar minha mãe, nós duas estávamos assumidamente surtadas. Melão, muita uva, banana, a suada maçã, mamão, vagem, agrião, couve flor, brócolis, alface e até jiló. Não foi fácil carregar tudo isso à pé até meu apartamento. Nunca, na história da minha geladeira, foram vistos tantos vegetais. O Eduardo arrepiou os cabelos.

Duas semanas seguintes, resolvi sozinha encarar o RAPA. Passei pelo sacolão na hora de abertura da porteira e entrei junto. Segundo a moça do caixa, aquilo só dura 40 minutos. Depois as portas são definitivamente fechadas.

Voltei ilesa da guerra, ostentando meus tomates, inhames e uvas como troféu. Em casa, o Du me lembra que não preciso passar por isso para fazer economia. Ok, ele tem razão total.

As duas aventuras, ao menos, já renderam esta história.

6 comentários:

Anônimo disse...

A feira sempre rende boas histórias. Ainda mais assim numa corrida às frutas, verduras e legumes. Preparar, apontar, FOGO!!!!!!!!!!

Anônimo disse...

Juju, texto bão demaiss sô! Deu até pra matar um pouco das saudades acumuladas de ver ocê, do tanto que seus gestos se impregnaram nas palavras!
Djau

.ludmila ribeiro. disse...

julita e suas experiências antropológicas! :)
num cenário desse, inspiração não falta né?!
bijim e té já

Unknown disse...

a sutileza e o humor do seu texto salvaram o meu dia, Julita. Beijo cheio de saudade de você, minha amiga querida.

SaintCahier disse...

Pelo menos você *não* chegou a tomar "laranjada" sem nem precisar espremer as laranjas!

Luiz Antônio Navarro disse...

as vezes existem outras maneiras pra fazer economia, mas pelo visto foi diversao total!

como disse a lud: experiencia antropologica em belorizonti city!