quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Ocupar com arte













(Um novo Mercado Novo em foto de Desali)


Semana passada fiz o circuito grafiteiro em BH. Comecei pela Bienal na Serraria Souza Pinto e, na sexta-feira, peguei o último dia da mostra Kreu Krio, no até então desconhecido (e decadente) Mercado Novo. O contraste foi instigante.

Nos dois casos, tratava-se de grafite fora do contexto original. Nas paredes do galpão da Serraria, a pretensão de alavancar este tipo de manifestação a um patamar formal causou um estranhamento maior. A poluição visual das grandes gravuras dispostas muito próximas entre si dificultou um olhar mais atento aos trabalhos. Já as megainstalações – como o carro todo pintado e o trabalho com peças usadas de computador que tomou o espaço de um corredor inteiro – são interessantes, mas me parecem idéias pouco inovadoras. No geral, os trabalhos são pouco engajados e sequer agradam do ponto de vista estético.

Audácia e independência ficaram mesmo por conta da mostra Kreu Krio. A começar pela escolha do local – um dos cantos da Belo Horizonte que não aparece em cartões postais ou em programas de campanha política na TV. Nesse espaço mal preservado que se tornou um ponto de vendas de embalagens e isopor, a garagem se mistura com espaços de circulação de clientes. A escada rolante não “rola” há bons anos. E quanto mais alto o andar, maior o abandono.

Mas o banheiro sujo do terceiro andar recebeu as cores vibrantes do grafite em toda a parede. Nos corredores desocupados, cavaletes antigos de propaganda eleitoral receberam stickers irônicos e questionadores. Em meio ao vazio, ficou mais fácil refletir sobre a arte e a realidade daquele estranho espaço. A visita me fez lembrar os já históricos dias de ocupação de artistas de SP na ocupação dos movimentos de moradia no edifício Prestes Maia em 2004. [Para saber mais, é só clicar no site do Túlio Tavares!]

Quem também gostou da movimentação atípica no Mercado Novo foi um dos donos da Serralheria Mangaba. Sujo de graxa no macacão azul, Lúcio Camilo de Menezes também ficou encantado com a grafite do banheiro. São 45 anos trabalhando por ali – ainda menino, vendeu laranja nas redondezas e depois trabalhou na reforma do prédio, antes usado como oficina de bonde da cidade. “Se eles cuidassem de isso aqui, seria uma coisa linda”.

Que venham mais grafiteiros e outras [a]mostras de inteligência como essa!

Um comentário:

Luiz Antônio Navarro disse...

nossa, júlia, gostei muito da ocupação do prestes maia! as intervenções e as fotografias são muito bonitas e muito inteligentes.

talvez a diferença maior entre os dois espaços (prestes maia e mercado novo) seja a vida pulsante que a ocupação dos moradores tenha dado ao prédio paulistano, se dispondo a adotá-lo com a sua residência, o seu lar.

mas o prédio belorizontino não está morto. e o seu lúcio tem razão: o mercado merece uma atenção maior. nós mesmos podemos nos apropriar dele, já que está ali, parado, cheio de possibilidades esperando para serem atiçadas. assim como o prestes maia esteve um dia.