quinta-feira, 9 de abril de 2009

"Como seria o Reveillon de 2441?"



Ainda me surpreendo com o coração grande do Galpão Cine Horto. São vários projetos ao longo do ano que, na essência, mostram a vocação do espaço para o acolhimento, a residência, o experimentalismo. Foi assim durante a semana passada, em mais uma edição do Galpão Convida. Depois de uma pesquisa de dois meses no espaço, os paulistas do Grupo XIX de teatro (Hysteria, Hygiene e Arrufos) e os mineiros do Grupo Espanca! (Por Elise, Amores surdos e Congresso Internacional do Medo) criaram um espetáculo a partir da seguinte indagação: "Como seria o Reveillon de 2441?".

Os grupos fizeram questão de enfatizar que se tratava de um processo em construção. Mas, sinceramente, o resultado final é mil vezes superior a tantas outras peças que entram em cartaz com pompa e preço caro. Destaque para o cenário coberto de gelo e incrementado com aparatos multimídia – como o telão que projetava paisagens bucólicas e tempestades do lado de fora da porta do apartamento cenográfico.

Abaixo, um breve comentário pessoal sobre o trabalho – que talvez só seja compreensível aos que tiveram a chance de assistir....

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Feliz conjunção entre cenário, atores, texto e técnica, Barco de Gelo é uma alegoria convincente do futuro da espécie humana. Tão longe, tão perto: os séculos do tempo futuro apresentados em cena não mostram a evolução da inteligência do homem como idealizamos. Como protagonista da vida moderna, a tecnologia não é capaz de suprir a solidão e as dificuldades do relacionamento com o outro.

A história leva a acreditar que o excesso de estímulos tecnológicos e sensoriais aos quais seremos submetidos na sociedade ultramoderna acabam por afastar o homem de suas limitações. Como numa espécie de ditadura da alegria, não nos parece permitido refletir ou sofrer. Mas aquela festa de reveillon apresentada em cena é marcada por elementos que rompem definitivamente com esta monotonia/adormecimento na vida do grupo de amigos. O clímax está no número teatral – com o texto da peça As três irmãs, de Tcheckov, originário de uma “época em que ainda existiam galinhas”- apresentado por uma trupe de atores contratados por um dos convidados da festa.

A apresentação se diferencia de todas as outras cenas por não apresentar um “delay/atraso” entre ação e reação nos gestos e falas das personagens. Sinal para um recado do grupo: o teatro pode ser este espaço de encontro real, intenso e verdadeiro com o outro. Mas o fato é que, provocando reações diferentes por parte dos convidados da festa, a “mini peça” ganha um sentido ainda mais intenso para o personagem que descobre a metáfora do gelo. Brincando de triturar o objeto no liquidificador, experimenta-se a comunhão e a percepção de que a passagem de “estados” – sólido, liquido, gasoso – é inerente a natureza humana. Deve, portanto, ser celebrada e respeitada.

É a partir deste estalo que, enfim, a festa se consome.

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