terça-feira, 3 de agosto de 2010

Sotaques 3

Às vésperas de completar três anos nas Gerais, pensei que já era tempo de escrever mais um post sobre o mineirês. Afinal, por esta longa convivência com o “idioma”, já devo ter chances conseguir meu diploma nível intermediário... Enquanto “matutava” o texto, me chega este email enviado por Lud. Mesmo se tratando de uma grande cantada às mulheres mineiras, gostei das análises “semânticas” feitas pelo forasteiro, o autor anônimo do texto.

Pelas boas sacadas que seguem, replico aqui mais uma homenagem a este falar tão característico que, confesso, já vem sendo adotado em partes por uma ex-paulistana...

O sotaque das mineiras

(Autor anônimo)

(...)

Os mineiros têm um ódio mortal das palavras completas.
Preferem, sabe-se lá
por que, abandoná-las no meio do caminho (não dizem:
pode parar, dizem:
"pó parar").

Os não-mineiros, ignorantes nas coisas de Minas,
supõem, precipitada e
levianamente, que os mineiros vivem -
lingüisticamente falando - apenas
de uais, trens e sôs.
Digo-lhes que não. Mineiro não fala que o sujeito é
competente em tal
ou qual atividade.
Fala que ele é bom de serviço.

Pouco importa que seja um juiz de direito,
um jogador de futebol ou um
ator de filme pornô.
Se der no couro - metaforicamente falando, claro - ele é bom de
serviço.
Faz sentido...

Mineiras não usam o famosíssimo tudo bem.
Sempre que duas mineiras se encontram, uma delas
há de perguntar pra
outra: "cê tá boa?"
Para mim, isso é pleonasmo. Perguntar para uma
mineira se ela tá boa é
desnecessário.

Vamos supor que você esteja tendo um caso com uma mulher casada.
Um amigo seu, se for mineiro, vai chegar e dizer:
Mexe com isso não, sô (leia-se: sai dessa, é fria, etc).
O verbo "mexer", para os mineiros, tem os mais
amplos significados.
Quer dizer, por exemplo, trabalhar.
Se lhe perguntarem com que você mexe, não fique ofendido.
Querem saber o seu ofício.

Os mineiros também não gostam do verbo conseguir.
Aqui ninguém consegue
nada. Você não dá conta.
Sôcê (se você) acha que não vai chegar a tempo,
você liga e diz:
Aqui, não vou dar conta de chegar na hora, não,sô.
Esse "aqui" é outro que só tem aqui.
É antecedente obrigatório, sob pena de punição pública,
de qualquer frase. É mais usada, no entanto, quando você quer falar
e não estão lhe dando muita atenção: é uma forma de dizer, "olá,
me escutem, por favor".
É a última instância antes de jogar um pão de queijo
na cabeça do interlocutor.

Mineiras não dizem "apaixonado por".
Dizem, sabe-se lá por que, "pêxonado com".
Soa engraçado aos ouvidos forasteiros.
Ouve-se a toda hora: "Ah, eu pêxonei com ele...".
Ou: "sou doida com ele" (ele, no caso, pode ser você,
um carro, um cachorro).
Elas vivem apaixonadas "com" alguma coisa.

Que os mineiros não acabam as palavras,
todo mundo sabe. É um tal de
"bonitim", "fechadim", e por aí vai.
Já me acostumei a ouvir: "E aí, vão?". Traduzo:
"E aí, vamos?".
Não caia na besteira de esperar um "vamos"
completo de uma mineira. Não ouvirá nunca.

Eu preciso avisar à língua portuguesa que gosto muito dela,
mas prefiro, com todo respeito, a mineira. Nada pessoal.
Aqui certas regras não entram. São barradas pelas montanhas.
No supermercado, não faz muitas compras, ele compra
"um tanto de côsa".
O supermercado não estará lotado, ele terá
"um tanto de gente".
Se a fila do caixa não anda, é porque está
"agarrando" [aliás, "garrando"] lá na frente. Entendeu? Agarrar é agarrar, ora!

Se, saindo do supermercado, a mineirinha vir
um mendigo e ficar com pena,
suspirará: Ai, gente, que dó. É provável que a essa altura o leitor já esteja apaixonado pelas mineiras.

Não vem caçar confusão pro meu lado.
Porque, devo dizer, mineiro não arruma briga, mineiro
"caça confusão".
Se você quiser dizer que tal sujeito é arruaceiro, é melhor falar, para
se fazer entendido, que ele "vive caçando confusão".

Para uma mineira falar do meu desempenho sexual,
ou dizer que algo é muitíssimo bom vai dizer: "Ô, é sem noção".
Entendeu, leitora? É sem noção! Você não tem, leitora,
idéia do "tanto de
bom" que é. Só não esqueça, por favor, o "Ô" no começo,
porque sem ele não dá para dar
noção do tanto que algo é sem noção, entendeu?

Capaz... Se você propõe algo e ela diz: capaz!!!
Vocês já ouviram esse "capaz"? É lindo.
Quer dizer o quê? Sei lá, quer dizer
"ce acha que eu faço isso"? com algumas
toneladas de ironia...

Se você ameaçar casar com a Gisele Bundchen, ela dirá: "Ô dó dôcê".
Entendeu? Não? Deixa para lá.
É parecido com o "nem...". Já ouviu o "nem..."?
Completo ele fica:- Ah, nem...
O que significa? Significa, amigo leitor, que a mineira que o pronunciou não
fará o que você propôs de jeito nenhum.
Mas de jeito nenhum.

Você diz: "Meu amor, cê anima de comer
um tropeiro no Mineirão?".
Resposta: "Nem..." Ainda não entendeu? Uai, nem é nem.

Leitor, você é meio burrinho ou é impressão?
A propósito, um mineiro não pergunta: "você não vai?".
A pergunta, mineiramente falando, seria: "cê não anima de ir"?
Tão simples. O resto do Brasil complica tudo.

É, ué, cês dão umas volta pra falar os trem...
Falando em "ei...".
As mineiras falam assim, usando, curiosamente,
o "ei" no lugar do "oi".
Você liga, e elas atendem lindamente: "eiiii!!!",
com muitos pontos de
exclamação, a depender da saudade...
Tem tantos outros...

O plural, então, é um problema. Um lindo problema,
mas um problema.
Sou, não nego, suspeito.
Minha inclinação é para perdoar, com louvor,
os deslizes vocabulares das mineiras.

Aliás, deslizes nada.
Só porque aqui a língua é outra, não quer dizer que a oficial esteja
com a razão.
Se você, em conversa, falar: Ah, fui lá comprar umas coisas..
Ques côsa? - ela retrucará.
O plural dá um pulo. Sai das coisas e vai para o que.

Ouvi de uma menina culta um "pelas metade",
no lugar de "pela metade".
E se você acusar injustamente uma mineira, ela,
chorosa, confidenciará:
Ele pôs a culpa "ni mim".

A conjugação dos verbos tem lá seus
mistérios em Minas...
Ontem, uma senhora docemente me consolou:
"prôcupa não, bobo!".
E meus ouvidos, já acostumados às ingênuas
conjugações mineiras, nem se
espantam. Talvez se espantassem se ouvissem um:
"não se preocupe", ou algo assim.

A fórmula mineira é sintética. E diz tudo.
Até o "tchau" em Minas é personalizado.
Ninguém diz tchau pura e simplesmente.
Aqui se diz: "tchau procê", "tchau procês".
É útil deixar claro o destinatário do tchau.
Então...


[Leia aqui outros posts sobre o mineirês em Língua e Sotaques.]

3 comentários:

Anderson Ribeiro disse...

Nossa! ri de mais da conta, sô! kkkkkkkkkk

Fernanda Versolato disse...

Nóóóóó, dou conta disso não, sô!
Vai ser bão!

Júlia Tavares disse...

ei! ceis tão bão?
aqui, cês num vem pra cá, não?
tchau procês!