quarta-feira, 24 de outubro de 2007

Alquimista da dor

Ferreira Gullar esteve ontem em BH numa passagem meteórica. Convidado do projeto Ofício da Escrita, do Museu de Artes e Ofícios, começou a conversa com uma constatação pontual: “Tudo é inventado”. Para Gullar, esta é uma certeza comum a todo artista. Ele acredita que para melhorar tudo o que nos cerca, o homem cria o mundo constantemente. Por isso inventou Deus. Por isso inventou as cidades. Por isso inventou a arte.

Fiquei impressionada com a contundência de sua critica à arte contemporânea, que deu o tom de boa parte do debate. Ao contrário de todas as outras linguagens artísticas, que souberam evoluir a partir de movimentos de vanguarda, as artes plásticas ficaram paralisadas. Apresentadas como obras de arte, “areia dentro de uma garrafa” e “larvas na banana” são exemplos de extremo niilismo, opinou. São obras que não ensinam, não compartilham, não encantam.

Gullar, que foi poeta parnasiano no início da carreira e por fim pregou a liberdade de experimentação no movimento do Neoconcretismo, não vê a falta de limites com bons olhos. Seu limite é a palavra. É por meio dela que ele reinventa o mundo e procura “dizer o indizível”, traduzindo experiências únicas como o cheiro do jasmim ou a surpresa do bater de ossos do próprio corpo.

Antes do fim da conversa, Gullar recitou dois poemas. No site oficial, também é possível ouvir alguns. Compartilho aqui meu encantamento.

Barulho

Todo poema é feito de ar
apenas:
a mão do poeta
não rasga a madeira
não fere
o metal
a pedra
não tinge de azul
os dedos
quando escreve manhã
ou brisa
ou blusa
de mulher.

O poema
é sem matéria palpável
tudo
o que há nele
é barulho
quando rumoreja
ao sopro da leitura.

Um comentário:

Anônimo disse...

Querida, que texto adulto. Suas letras estão te acompanhando.
Já saudades!

Djau