quarta-feira, 7 de novembro de 2007

Em nome da arte













Antes que a onda de atividades do TEIA ocupe todo meu tempo, precisava registrar aqui minhas duas experiências no Festival Internacional de Dança, que aconteceu de 24 de outubro a 4 de novembro em vários cantos da cidade. Com o lema “Dança para todo mundo”, pensava que o FID pudesse trazer espetáculos mais palpáveis, que colaborassem com a formação de público - os ingressos custavam só R$ 2. Ledo engano. Muitas das peças selecionadas (Brasil, Quênia, França, Dinamarca, Austrália e Argentina) trabalharam mais com idéias conceituais sobre dança do que a dança em si.

Ainda assim, gostei de fazer parte do público sempre lotado dessas apresentações. Em “Estudos para impressões”, de Denise Stutz, do Rio, cheguei atrasada no Museu Mineiro e batalhei fervorosamente por um ingresso remanescente. Consegui. Estranhei que o “palco” fosse dentro de uma das salas com obras de santos barrocos, mas lá estava a dançarina, totalmente nua, fazendo barulhos estranhos com a boca. O cenário era formado por seis lâmpadas no chão. E só. Muito lentamente, contorcia o corpo e os braços, sempre de pé. Foram 20 minutos até que ela se vestiu e saiu. As pessoas se olharam. O primeiro aplauso demorou a sair.

No dia seguinte, a reação foi bem mais radical. Com o nome “A vida enorme”, a apresentação assinada pela coreógrafa francesa Emmanuelle Huynh foi uma performance que alterou os ânimos da platéia lotada do Palácio das Artes, com capacidade para 1707 pessoas. Começou com longo atraso, mas o público de descolados, dançarinos e donas-de-casa esperou calmamente. Perfume, saltos, expectativa, risos e cochichos. Enfim, começou. Cortinas abertas, aplausos. E seis caixas de som ocupavam o centro do grande palco, sem qualquer sinal de vida humana.

Eis a cena:

As caixas de som emitem um diálogo caótico em francês. Blá, blá, blá. Depois entra uma fala rápida e também confusa em português de Portugal. Impossível entender. Volta o francês. Não há legendas. Toca um trecho de David Bowe. “We can be Heroes/ Just for one day”. Mais francês. Às vezes, frases soltas em português.

Passam-se longos 20 minutos. Uma dezena de pessoas levanta e vai embora. Aos poucos, os movimentos bruscos nas cadeiras e as conversas paralelas dão lugar a aplausos eufóricos. Todos aplaudem, ovacionam. “Dança, caixa de som!!”, alguém grita. “Bravo, bravíssimo!!”, festejam. Houvesse tomates nas bolsas de lantejoulas, com certeza teriam atingido as onipotentes caixas de som. Diante da balbúrdia, mantinham-se imóveis. E falavam francês.

Quando por fim as luzes se apagaram e em seguida dois corpos apareceram no palco, novos aplausos eufóricos tomaram conta do teatro. Por mais 20 minutos, um casal de dançarinos fez movimentos lentos entrecortados pelos mesmos trechos da musica de Bowe. Era bonito e sensível. Interessante. E acabou.

Os aplausos finais partiram de gente que preferiu ficar sentada na poltrona. Aos poucos, vendo a respiração ofegante dos franceses, parte se levantou. Na saída do teatro, a sensação de ter participado – como platéia - de um evento da Semana de Arte Moderna de 22.

Eu, que já tinha comprado ingressos para o encerramento do FID no domingo, acabei desistindo. Troquei o solo do Quênia por cerveja e mandioca frita.

Um comentário:

Anônimo disse...

Não foi anônimo não, é a Lau

Hahahahahaha, maldita arte conceitual!!
A postura de "foda-se o público" me irrita, como à muitos, afasta o público que quer ver dança para alternativas mais cômodas e certas.

Eu também ia para a brejinha com mandioca frita, ou teria checado a programação na internet antes!
Sei lá visse...fico feliz q vc tenha compartilhado essa frustração...
Sabe que no meu TCC reproduzo parte de um manifesto contra a mediocridade das obras de videodança.

Só que é considerado cool aguentar a p.... da cx de som por dezenas de minutos a fio ou os movimentos minimalistas - mesmo sendo vistos de longe, ou seja, sem detalhes.É "para quem entendeu"(carinha blasé para quem não entendeu)e isso faz com que alguns arteiros se sintam parte de um seleto clube - os verdadeiramente sensíveis à arte pura.
E pq todos estão sujeitos à algum dia fazer uma porcaria de trabalho - e então eles não quererão ser informados de sua falta de talento - esses coreógrafos e bailarinos jogam confete entre si e achando tudo lindo, tudo tão artístico.

Acontece que ARTE É COMUNICAÇÃO, e comunicação pressupõe o outro, o espectador.
E se a intenção dessa arte foi gerar desconforto e tédio, a meu ver ela está descompassada com a realidade, pois dessas sensações já estamos saturados.

Vixe, caguei regra, né?
É que assistir esse tipo de coisa tira meu tesão de ir ver dança, imagino que quem já não gosta muito desista de vez.
(podia ter bem mais da dança sensível e bem menos das cxs de som né não...)

...
Lau